Direito de ser esquecido


 Desde que o premonitório “1984” foi lançado em 1949 pelo inglês George Orwell a invasão da privacidade individual exercida pelo “Big Brother” deixou de ser um elemento futurista e se materializa de forma cada vez mais contundente.

 

Se o conceito clássico que rege a harmonização da ética com a dinâmica evolutiva de uma sociedade, que se move cada vez mais rapidamente, preconiza que as leis devem reger os bons usos e costumes, neste tema estamos engatinhando muito lentamente.

 

Só recentemente foi reconhecido pela União Europeia o “direito de ser esquecido” na internet, uma decisão tomada pelo Supremo Tribunal da Espanha, sem precedentes e que pode ser considerada um divisor de água na forma como encaramos os mecanismos de buscas na internet.

 

Tudo começou devido ao advogado espanhol Mario Costeja González, que no ano de 1998 teve seu apartamento leiloado para pagamento de dívidas com a previdência social espanhola, segundo noticiou o jornal La Vanguardia em sua página de anúncios de leilões públicos. Entretanto, o senhor González quitou a dívida antes que fosse necessário continuar com a venda judicial, mas tal informação ficou arquivada nos mecanismos de busca na internet disponível a quaisquer usuários que buscasse o nome Mario Costeja González.

 

Com as negativas do jornal e do próprio Google, um dos mais poderosos “motores de busca” da internet, de suprimir tal informação, o advogado protocolou uma reclamação na Agência Espanhola de Proteção de Dados (AEPD) para que terceiros não mais pudessem ter acesso a estas informações, uma vez que o processo já havia sido extinto há vários anos. A AEPD rejeitou o pedido com relação ao jornal, mas legitimou o pedido com face ao Google.

 

Inconformado com a decisão, o Google recorreu à Audiência Nacional, um órgão do judiciário espanhol que tem o Supremo Tribunal da Espanha como instância máxima e no dia 13 de maio de 2014 o Tribunal de Justiça da União Europeia deu ganho de causa ao espanhol ao entender que os links eram irrelevantes. Tal decisão foi um marco, pois a partir disso iniciou-se uma grande discussão em nível internacional a respeito da privacidade e do direito de ser esquecido em contrapartida da liberdade de expressão.

 

O fato é que desde maio de 2014 o Google recebeu cerca de 210 mil pedidos, porém, o relatório com os princípios legais do direito de ser esquecido na internet, que foi aprimorado após o caso com o espanhol, não abrange as chamadas verdades incômodas no caso de dados que são do interesse público. Ou seja, o direito de ser esquecido é aplicado somente em determinadas situações e, em média, apenas 40% dos pedidos são aceitos.

 

Atualmente, o recurso está disponível apenas para os países europeus, mas a preocupação de que tais pedidos de remoção possam violar a liberdade de expressão pairam pelo mundo todo. Tal fato torna o tema bastante complicado devido aos possíveis efeitos colaterais ocasionados pelo fato de que a avaliação dos pedidos é feita de forma subjetiva daquilo que é hoje considerado irrelevante. Ora, irrelevante para quem e em quais circunstâncias?

 

Essa e outras muitas dúvidas virão, afinal estamos passando por um momento de transição entre a criação da lei e sua aplicação. Por isso só o futuro poderá nos afirmar com propriedade se tal direito de “ser esquecido”  será exercido com sabedoria e justiça, acima de tudo, ou não. Isso se ninguém o considerar irrelevante e ele ser dizimado pelos dispositivos de acesso aos mecanismos de buscas.

 

Como podemos perceber, não se trata de um assunto singelo que pela sua alta complexidade de âmbito social e legal suscita elevado índice de controvérsias em todas as esferas onde é discutido. Pois é fundamental buscar o equilíbrio entre o direito da sociedade de acessar a informação de forma transparente e o de proteger a reputação de pessoas inocentes expostas de forma indevida.

 

Aí está um bom tema para que os nossos legisladores possam cumprir o seu papel e proporcionarem à sociedade brasileira uma legislação avançada que venha proteger realisticamente um dos mais pétreos direitos individuais de uma democracia: o direito à privacidade